BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO - O pedido de recuperação judicial da concessionária de Viracopos, no último domingo, é apenas a ponta do iceberg de um modelo de concessão implementado na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff — que trouxe melhorias aos usuários num primeiro momento, mas que não fica em pé se não houver uma explosão da demanda nos próximos anos. Essa é a avaliação de especialistas, mesmo após o atual governo ter renegociado as outorgas devidas pelas operadoras à União. Nenhum dos seis aeroportos concedidos dá lucro, segundo cálculos de André Soutelino, especialista em Direito Aeronáutico. No caso de Viracopos, o prejuízo acumulado entre 2015 e 2017 é de R$ 71 milhões, mas a dívida é estimada em R$ 2,88 bilhões, incluindo parcelas não pagas das outorgas devidas ao governo. O BNDES é o principal credor, com R$ 2,6 bilhões. O banco informou ontem que buscará “uma solução de mercado” para o aeroporto e que há interessados na sua compra. No entanto, nove meses após o pedido feito pela concessionária de Viracopos para que o governo aprovasse a devolução do terminal e relicitasse a concessão, a União não se mexeu, levando o aeroporto a recorrer à recuperação judicial.
A solicitação de proteção aos credores engloba as três controladas do consórcio vencedor da licitação: Aeroportos Brasil, Aeroportos Brasil Viracopos e Viracopos Estacionamentos. Os sócios do consórcio que administra Viracopos são Triunfo, UTC, Egis e Infraero. O terminal foi apontado como o melhor do país em pesquisas de satisfação de passageiros. O valor pesado das outorgas, decorrente de ágios elevados nos leilões, continuam sendo um dos principais problemas nas primeiras rodadas de privatização, quando foram concedidos ao setor privado os aeroportos de Natal, Brasília, Guarulhos, Viracopos, Confins e Galeão. Somam-se às fragilidades do modelo de concessão o foco em obras, com o descumprimento de compromissos por parte da Infraero, que permaneceu nos consórcios, e a dependência de financiamentos do BNDES. O envolvimento de construtoras sócias nas concessionárias na Lava-Jato e a recessão agravaram a situação.
MUDANÇA DE SÓCIOS E DIFICULDADE DE CRÉDITO
O aeroporto de Natal conseguiu equacionar problemas entre os sócios, com a compra da fatia da Engevix pela argentina Corporación America, que passou a deter 100% do terminal. O investidor argentino também assumiu a participação da empreiteira no aeroporto de Brasília. Mas ambos operam no vermelho. Guarulhos acumula prejuízo de R$ 3,3 bilhões entre 2015 e 2017 e tenta resolver a situação da Invepar, principal sócio privado da concessionária que administra o aeroporto paulista e que tem entre seus acionistas a OAS. Esta última está em recuperação judicial e na mira da Lava-Jato. Confins precisa construir a segunda pista até 2020, mas, como a Infraero não fez as obras previstas no contrato, a operadora negocia adiar o investimento. Os sócios tiveram de aportar R$ 145 milhões este ano porque, até agora, o crédito de longo prazo do BNDES não foi liberado.
Segundo a BH Airport, que gere o terminal mineiro, as negociações só devem ser concluídas no segundo semestre. E o Galeão tenta se reerguer com a saída da Odebrecht e ampliação da participação da sócia de Cingapura. — Se não houver uma explosão da demanda, as concessões não param em pé. Não se sustentam, porque o valor das outorgas são muito elevados — diz Soutelino. Ele admite que alguns riscos, como lances elevados, crise econômica e envolvimento de sócios em irregularidades, são por conta do investidor. Mas destaca que o modelo tem erros de concepção, como a participação da Infraero. Outra falha são projeções demasiadamente otimistas feitas pelo próprio governo para embasar as licitações: — O governo vendia os leilões como o Brasil fosse um paraíso. Mas acabou se tornando um inferno para os investidores — diz Paulo Resende, especialista em logística da Fundação Dom Cabral. Em dezembro, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), aprovou a reprogramação do pagamento das outorgas, que foram diluídas ao longo dos contratos.
Quatro concessionários (Guarulhos, Galeão, Brasília e São Gonçalo do Amarante) quitaram uma dívida atrasada de R$ 2,354 bilhões e anteciparam mais R$ 2 bilhões. A BH Airport deposita os valores em juízo, mas Viracopos não honrou os pagamentos das parcelas de 2016 e 2017. O seguro-garantia foi acionado para a quitação de parte dos compromissos, mas há débito remanescente de R$ 211 milhões. Por causa da inadimplência, a Anac abriu, em fevereiro, processo administrativo que pode resultar na caducidade da concessão. Na quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal negou pedido de liminar da concessionária para suspender o processo. — O processo culmina com a extinção do contrato. O pedido de recuperação visa a criar um ambiente para negociação — disse uma fonte. — No pedido de recuperação, há nova solicitação de suspensão do processo da Anac.
NO GOVERNO, SILÊNCIO E TEMOR DE INVESTIGAÇÕES
A expectativa é que isso aconteça, mas especialistas dizem que o pedido de proteção contra credores não blinda a Aeroportos do Brasil de ter a concessão cassada. — São processos correndo em esferas diferentes. O processo da Anac é administrativo. E seguirá correndo. A recuperação judicial é uma tentativa de proteger o patrimônio e pressionar o governo a sentar à mesa de negociação. É também uma forma de criticar o governo, que criou um mecanismo de relicitação que praticamente não foi usado — avalia advogado Marlon Ieiri, especialista em infraestrutura do L.O. Baptista Advogados. O Congresso aprovou, em meados do ano passado, uma lei que permite a relicitação de concessões de forma geral, mas o governo não editou um decreto regulamentando a medida. A decisão da concessionária já era esperada por integrantes do governo. Ontem, a ordem foi de silêncio durante todo o dia. A Anac informou que não iria se manifestar.
No início da noite, o Ministério dos Transportes divulgou nota, limitando-se a dizer que está acompanhando o caso e “que as operações e o atendimento ao passageiro não serão afetadas”. A Azul, que tem 140 de seus 739 voos diários operados a partir de Viracopos (um quinto do total), também disse que a recuperação judicial não afetará suas operações. Nos bastidores, integrantes do governo alegam que ainda esperam uma solução de mercado e que há receio de editar um novo decreto para relicitar Viracopos, no momento em que o presidente Michel Temer é acusado de irregularidades em outro decreto, que tratou da renovação das concessões de portos. A expectativa é que uma solução definitiva para Viracopos só ocorra no próximo governo, pois tanto a recuperação judicial como a caducidade ou a relicitação são processos demorados.
PARCERIA COM A AZUL - APÓS DANO DE IMAGEM, UNITED AIRLINES APOSTA NO BRASIL
SEATTLE - Depois de ter tido a imagem nocauteada em 2017 — quando um passageiro acabou ferido ao ser retirado à força de um voo para dar lugar a um membro da tripulação, resultando numa perda imediata de centenas de milhões de dólares em valor de mercado — a United Airlines retoma crescimento global e aposta no mercado brasileiro. A empresa americana planeja seguir elevando sua fatia na Azul Linhas Aéreas e avalia iniciar rota entre o Brasil e a Costa Oeste dos EUA, afirma Oscar Munoz, diretor executivo da estrangeira.
— O Brasil é um mercado importante para a United. Faremos com a Azul como fazemos com todas as nossas parcerias, que começam pequenas e vão sendo ampliadas. Estamos iniciando conversas com autoridades do Brasil para voar entre o país e Los Angeles ou São Francisco, na Califórnia, o que não deve acontecer antes de ao menos dois anos. Faremos o mesmo na Argentina — contou o executivo ao GLOBO, no voo inaugural do novo Boeing 777-300ER da companhia, que partiu de Seattle com destino a Houston na última quinta-feira. No primeiro trimestre, a companhia registrou lucro de US$ 147 milhões, alta de 48,5% em relação a igual período do ano anterior. (Glauce Cavalcanti, a jornalista viajou a convite da United)
Análise
Um modelo que começou errado
Falhas na concessão, empresas na Lava-Jato e crise atrapalharam
O pedido de recuperação judicial de Viracopos resulta de uma combinação de fatores que inclui falhas no modelo de concessão, crise econômica e envolvimento de sócios na Lava-Jato. No governo de Dilma Rousseff, foram concedidos seis aeroportos. Os leilões ocorreram entre 2011 e 2013 e, em todos os casos, havia o compromisso dos concessionários de concentrar investimentos nos primeiros anos. Em troca, teriam crédito barato do BNDES. A pressão sobre o governo por melhorias nos terminais era grande devido aos eventos esportivos — a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 — que estavam por vir. Bilhões de reais em obras eram planejados. Não por acaso, as empreiteiras lideraram os consórcios privados que, ao lado da Infraero (com 49%), ganharam os leilões. A estatal ficou de fora apenas de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, que foi 100% privatizado. Mas o modelo de concessão seguia o mesmo padrão.
O BNDES liberava empréstimo-ponte à concessionária, que ia tocando os investimentos enquanto aguardava o crédito de longo prazo, em condições mais vantajosas. E as empreiteiras ligadas aos consórcios privados iam engordando o caixa enquanto faziam as obras. No caso de Viracopos, a Constran — braço da UTC — e a Triunfo responderam pela expansão do aeroporto. Ambas são sócias da empresa que administra o terminal. Os estudos que embasaram a licitação, feitos pelo próprio governo, tinham premissas otimistas que, com a recessão, não se confirmaram. No caso de Viracopos, a projeção apontava um fluxo de 17,9 milhões de passageiros em 2016, mas apenas 9,3 milhões de pessoas passaram pelo aeroporto naquele ano. As dificuldades financeiras pioraram com a Lava-Jato.
UTC e Triunfo entraram em recuperação judicial e extrajudicial, respectivamente, ano passado. Outros aeroportos, como Galeão e o de Brasília, conseguiram evitar esse caminho ao convencer sócios estrangeiros a comprarem a fatia de empreiteiras em dificuldades. Viracopos pediu ao governo para ser enquadrado na MP 752, convertida na Lei 13.448, que previa a devolução da concessão. Mas o processo estava parado, enquanto as finanças do aeroporto se deterioravam. O governo temia que a mudança de regras em contratos já firmados atrapalhasse a atração de investidores para a leva de concessões de aeroportos feita no ano passado, quando o modelo foi alterado. Mesmo depois disso, o governo não se moveu para relicitar Viracopos. O pedido de recuperação é a última manobra para sair da crise em que se meteu. (Danielle Nogueira). |