A pouca ou a falta de divulgação do destino turístico Rio Grande do Norte no exterior está deixando o estado no banco de reservas das principais destinações de europeus no Brasil. Em uma década, conforme levantamento mais recente do Ministério do Turismo, o estado perdeu 75% do volume de visitantes estrangeiros. Nem mesmo a Copa do Mundo de 2014, quando Natal sediou quatro jogos no estádio considerado o mais bonito do país, houve reversão do quadro.
Além da diminuição no volume de turistas internacionais, o estado tem perdido espaço para vizinhos – Ceará e Pernambuco – quando o assunto é instalação de hubs de companhias aéreas. Há seis meses, a empresa espanhola de aviação Air Europa, com atuação no Brasil há 15 anos, abriu novos voos ligando Recife ao continente europeu. Em maio passado, foi a vez da Air France em parceria com a KLM instalar o hub no Aeroporto Internacional de Fortaleza.
Para o diretor-geral Brasil da Air Europa, Enrique Martín-Ambrosio, o Rio Grande do Norte precisa rever o modelo de investimentos no turismo e ampliar a divulgação no mercado internacional mostrando não somente as belezas do estado, mas o diferencial que irá fazer com que o turista se interesse pelo local. Na entrevista a seguir, ele analisa a situação atual do turismo e a importância do setor para a economia.
O Brasil saiu recentemente de uma das maiores recessões da história. Como essa crise refletiu no turismo internacional?
Os últimos quatro anos foram bastante difíceis para a economia, principalmente em relação aos dados macroeconômicos. Mas agora, no último ano, essa macroeconomia deu uma melhorada. Melhorou bastante. Mas é certo que para isso chegar ao consumidor final, às famílias, irá demorar um tempo. A Air Europa, que é uma companhia aérea espanhola, sempre apostou no Brasil e, especialmente nesses últimos quatro anos, incrementamos por quatro a nossa capacidade de operação no mercado brasileiro. De três voos que tínhamos a partir de Salvador (BA), passamos para 12. São três a partir de Salvador (BA), dois para Recife (PE) e sete para São Paulo (SP). Mesmo com a crise, a Air Europa apostou no Brasil porque acreditamos que essas crises são passageiras, são ciclos da economia que, logicamente, de alguma maneira ocorrem em todos os países.
Existe previsão dos voos da Air Europa serem operacionalizados a partir do Aeroporto Int. Gov. Aluízio Alves?
A gente sempre tem estudos em curso nos aeroportos. Iniciamos nossas operações no Aeroporto Internacional do Recife há apenas seis meses e, logicamente, quando se abre um voo, a primeira coisa a se fazer é ele precisa se consolidar. É preciso que isso ocorra antes de abrir operações em todos os aeroportos porque, logicamente, isso gera problemas de estabilidade e consolidação dos voos no mercado e na própria cidade. Nós temos em estudo várias possibilidades. Especialmente no Nordeste, por sermos espanhóis e termos um espírito nordestino, estamos sediados em Salvador, na Bahia. É uma decisão mais acertada, melhor por estar mais perto da Europa, escolhermos o Nordeste do que irmos para o Sul do País ou até mesmo São Paulo ou Rio de Janeiro.
O Nordeste é um potencial consumidor do destino Europa? Como tem se comportado a procura de voos para o velho continente a partir do Nordeste brasileiro?
Logicamente, sempre há aqueles que vão do Brasil para a Europa e que saem de lá para cá. Nosso voo não é uma operação entre Natal, Recife e Europa. É um voo entre o Nordeste e a Europa. Chegando em Madri, cerca de 70% dos passageiros estão pegando uma conexão para outro destino – Paris, Londres, Lisboa, Roma, Frankfurt. De Madri, saem voos para todos os outros destinos europeus. Mas, além disso, e falando especialmente de nossas experiências em Guarulhos, Salvador e em Recife, além disso, pegamos 30% dos clientes de outros aeroportos. Temos um acordo com a Avianca, Azul e Gol e isso permite que 30% dos passageiros cheguem de outros estados diferentes – Minas Gerais, Distrito Federal, Amazonas. Temos, com isso, uma rápida distribuição na Europa e no Brasil. Se não fosse isso, nossos voos se caracterizariam como charters: turistas daqui para a Europa e de lá para cá, sem essas conexões e operações entre companhias aéreas. Quando se começa em linha regular, tem-se que ter regularidade semanal para poder fazer todo tipo de combinação.
O turismo hoje em dia se restringe às classes mais abastadas ou já é possível ver passageiros de classes C, D e E embarcando para a Europa?
O turismo está cada vez mais se democratizando. Se democratizou mais por causa do preço dos bilhetes aéreos, que caíram muito e se tornaram mais acessíveis. Isso é comprovado através dos custos cobrados para viagens à Europa a partir de Salvador e Recife. Especialmente, também, por causa dos parcelamentos. A Air Europa, por exemplo, parcela em até 12 vezes sem juros. Hoje em dia, se pode comprar um bilhete aéreo para a Europa por cerca de 600 dólares e dividi-lo em um ano. Estamos falando de parcelas em torno de 50 dólares ao mês. Isso permite democratizar o acesso de todas as classes sociais. Mas, sabemos que, logicamente, não são apenas os custos áereos. Tem a hospedagem, alimentação, que são valores importantes.
A desvalorização do real frente ao euro, dólar e libra tende a diminuir o fluxo de turistas brasileiros no exterior?
Eu acredito que sim. Principalmente para a Europa e, agora, para os Estados Unidos. O dólar também está caro. São muitas as situações. Primeiro o valor. Se ele fica alto e o passageiro necessita gastar mais com a passagem, acomodação, alimentação e compras, ele deverá recuar. Mas o pior não é isso. O pior é a instabilidade da moeda, a volatilidade. Um dia, o dólar custa R$ 3,70. No outro, custa R$ 4,00. As pessoas acabam esperando porque pensam que irá baixar. Depois, só aumenta. O problema de volatitilidade da moeda é grave e danoso, de um modo geral.
Em relação ao Rio Grande do Norte e Natal, são destinos bem procurados pelos espanhóis, pelos europeus em geral?
Eu falaria que não. De alguma maneira, simplificando logicamente a Europa, a imagem do Brasil é o Rio de Janeiro. Para todas as coisas boas e para todas as coisas ruins. Agora, tem mais ruins que boas. Tem o carnaval, que lidera e parece que nenhuma outra cidade tem festa parecida, como Salvador. Logicamente, a ideia do Brasil se resumir ao Rio de Janeiro é porque a cidade faz, há muitos anos, promoção internacional. Isso depende das autoridades, da união dos empresários, dos Estados, Prefeituras, Embratur e socidade civil que são restaurantes, hotéis e operadores de turismo. A promoção do Rio Grande do Norte na Europa não é suficiente para que o produto Natal e próprio Rio Grande do Norte sejam conhecidos.
Do que depende uma mudança desse cenário?
Eu acho que os governos e as empresas privadas precisam se unir. Se um hotel fica lotado, ótimo para o empresário. São eles que precisam fazer uma promoção, claro. Mas esse é um caso no qual governo e empresários precisam dar as mãos. E tem que ter um foco em quais mercados o produto será oferecido. Sem promoção, a situação fica muito difícil.
O mercado consumidor existe e precisa ser melhor explorado?
Sim, o mercado existe. Mas precisa que ser explicado o motivo que o potencial cliente deve escolher Natal. O motivo dele escolher a cidade e não outra com paisagens semelhantes. Logicamente, tem que mostrar o diferencial da concorrência. Isso é muito importante. São praias lindas e interessantes. Mas, além disso, temos o Caribe, Santo Domingo, Punta Cana e Cuba são concorrentes importantes. Estamos falando de um cliente padrão procurando um lugar de praia para ir com a família, com os filhos e que tenha tudo incluso. Tem que estudar a concorrência para saber quais são os pontos fracos e comparar com os nossos pontos fortes. Nós temos pontos fortes, sim.
Qual a visão que o turista europeu tem da situação política e da segurança no Brasil? Isso gera desconfiança?
Certamente que sim. Mas, infelizmente, os casos dos homicídios ficam numa parcela da sociedade e em outras não. Não há casos de turistas assassinados. Mas, o assunto do Exército nas ruas do Rio de Janeiro é uma coisa boa. De uma certa maneira, o turista que escolhe o Rio segue para uma cidade que está militarizada. A realidade é diferente. Mas a imagem que se passa é mais importante.
O Brasil tem um potencial de exploração turística que é mal explorado?
Sim. Eu sou espanhol, venho de um país no qual somos 40 milhões de habitantes e 80 milhões de turistas. Nós temos o dobro de turistas em nossas cidades. No Brasil, são 200 milhões de moradores e somente seis milhões de turistas. Logicamente, a média está errada. Ou será que temos muito na Espanha e pouco no Brasil? Em Ibiza, cidade do litoral espanhol, recebemos mais turistas que todo o Brasil. Uma cidade pequena com mais turistas que todo o Brasil. Eu não quero criticar ninguém, mas ainda há muito caminho a percorrer.
Do seu ponto de vista, o que é preciso implementar para mudar esse paradigma?
É importante que as prioridades do governo sejam expostas. Em que o governo federal, estadual e municipal irá investir? A Espanha é um país pobre. O país mais rico da Europa é Alemanha, Reino Unido. A Espanha se vale dos turistas. Temos melhores climas, praias, história, cultura, gastronomia. É um pouco como o Brasil desse ponto de vista. Mas, em relação aos investimentos, a Espanha é muito focada no desenvolvimento do turismo. Há facilidades para construção de hotéis, para formação de mão de obra, atendentes bilíngues. Aqui no Brasil é difícil encontrar pessoas que falem outro idioma. A sociedade precisa se conscientizar que, hoje em dia, 15% dos empregos do mundo inteiro são gerados no turismo. Num país que tem desemprego como o Brasil, eu acho que o turismo pode ser uma solução. Não a única, mas uma delas. O turismo gera muita mão de obra, necessita de muitos trabalhadores. Num momento que o desemprego é alarmante, isso precisa ser revisto. |